Não precisamos de uma nova Constituição
De quando em vez alguém propõe uma nova Constituição. Ou seja, um novo regime. São os descontentes com a Terceira República e os proponentes de uma Quarta. Mas acumular Repúblicas nunca deu grandes resultados. Os nossos vanguardistas constitucionais acreditam que as fraquezas do regime (partidocracia, corrupção, caciquismo, etc) caducam automaticamente com a elaboração de um novo texto. Acontece que tais fraquezas são intrínsecas à democracia e não se resolvem por decreto constitucional.
O recém-eleito presidente do PSD propôs há dias uma nova Constituição. Não apenas mais uma revisão: um texto novo. A proposta obviamente não tem votos, como nunca terá nenhuma proposta semelhante. Mas, além disso, é também uma proposta leviana. Não precisamos de uma nova Constituição.
Não precisamos de uma nova Constituição porque esta é a Constituição saída do 25 de Abril. Há quem compreensivelmente não goste disso, quem preferisse desligar o documento da data, quem ache que a democracia podia ter vindo de outra maneira. História virtual é história virtual. A democracia aconteceu com o processo iniciado a 25 de Abril de 1974 e depois concretizado na eleição de uma assembleia constituinte, a aprovação de uma constituição e a realização de eleições legislativas e presidenciais. Houve momentos em que a democracia esteve em perigo: mas a Constituição foi aprovada a 2 de Abril de 1976, ou seja, depois do 25 de Novembro ter corrigido os devaneios RDA da revolução.
É evidente que o texto originário estava impregnado de linguagem e objectivos socialistas. Mas em 76 todos os partidos falavam em «socialismo». A verdade é que os aspectos fundamentais de uma sociedade democrática apareciam consagrados logo no texto inicial: liberdade de expressão e associação, eleições livres, independência dos poderes, checks and balances, etc.
As sucessivas revisões do texto consagraram a normalidade democrática. Em 1982, com a extinção do Conselho da Revolução, que exercia uma tutela já serôdia sobre o poder democraticamente eleito. Em 1989, com a garantia da liberdade económica, contra o espartilho estatista. E depois disso houve pequenos ajustes, nomeadamente em matéria de integração europeia.
A Constituição de 1976 na sua versão original era uma constituição democrática socialista. A Constituição de 1976 na sua versão actual quase não tem sombra de socialismo, mesmo na linguagem. Há vestígios esclorosados que precisam de retoques, como o número 2 do artigo 7º, que fala em «colonialismo» e «blocos político-militares». E pouco mais. A dimensão política da Constituição não põe entraves ao regular funcionamento de democracia portuguesa. Nem se vê onde estejam tais entraves na dimensão económica.
A única matéria que se afigura discutível é a dimensão institucional. Ou seja, é possível que haja quem queira alterar a natureza do regime. Sejamos claros: há quem pretenda o presidencialismo. Se é esse o caso, mais vale assumir tal proposta com clareza. E cá estaremos para lembrar os defeitos do presidencialismo, os desvios cesaristas, os conflitos com o governo, e o mais que os manuais registam.
Se é isso, conversaremos em devido tempo. Se não é isso, é pólvora seca.
Pedro Mexia
O recém-eleito presidente do PSD propôs há dias uma nova Constituição. Não apenas mais uma revisão: um texto novo. A proposta obviamente não tem votos, como nunca terá nenhuma proposta semelhante. Mas, além disso, é também uma proposta leviana. Não precisamos de uma nova Constituição.
Não precisamos de uma nova Constituição porque esta é a Constituição saída do 25 de Abril. Há quem compreensivelmente não goste disso, quem preferisse desligar o documento da data, quem ache que a democracia podia ter vindo de outra maneira. História virtual é história virtual. A democracia aconteceu com o processo iniciado a 25 de Abril de 1974 e depois concretizado na eleição de uma assembleia constituinte, a aprovação de uma constituição e a realização de eleições legislativas e presidenciais. Houve momentos em que a democracia esteve em perigo: mas a Constituição foi aprovada a 2 de Abril de 1976, ou seja, depois do 25 de Novembro ter corrigido os devaneios RDA da revolução.
É evidente que o texto originário estava impregnado de linguagem e objectivos socialistas. Mas em 76 todos os partidos falavam em «socialismo». A verdade é que os aspectos fundamentais de uma sociedade democrática apareciam consagrados logo no texto inicial: liberdade de expressão e associação, eleições livres, independência dos poderes, checks and balances, etc.
As sucessivas revisões do texto consagraram a normalidade democrática. Em 1982, com a extinção do Conselho da Revolução, que exercia uma tutela já serôdia sobre o poder democraticamente eleito. Em 1989, com a garantia da liberdade económica, contra o espartilho estatista. E depois disso houve pequenos ajustes, nomeadamente em matéria de integração europeia.
A Constituição de 1976 na sua versão original era uma constituição democrática socialista. A Constituição de 1976 na sua versão actual quase não tem sombra de socialismo, mesmo na linguagem. Há vestígios esclorosados que precisam de retoques, como o número 2 do artigo 7º, que fala em «colonialismo» e «blocos político-militares». E pouco mais. A dimensão política da Constituição não põe entraves ao regular funcionamento de democracia portuguesa. Nem se vê onde estejam tais entraves na dimensão económica.
A única matéria que se afigura discutível é a dimensão institucional. Ou seja, é possível que haja quem queira alterar a natureza do regime. Sejamos claros: há quem pretenda o presidencialismo. Se é esse o caso, mais vale assumir tal proposta com clareza. E cá estaremos para lembrar os defeitos do presidencialismo, os desvios cesaristas, os conflitos com o governo, e o mais que os manuais registam.
Se é isso, conversaremos em devido tempo. Se não é isso, é pólvora seca.
Pedro Mexia